Rato de Show • 15 de junho de 2025

Cobertura: Papangu (SP)

Acendendo as luzes em São Paulo

Ao procurar a palavra “papangu”, o conceito é colocado como “uma pessoa que se fantasia com roupas exageradas, máscaras ou disfarces geralmente feitos de forma improvisada ou caricata, para brincar o Carnaval de maneira anônima, engraçada ou até misteriosa”. Hoje, no entanto, proferir o nome Papangu traz também uma segunda e crescente referência, que, para início de conversa, talvez pouco soubessem sequer sobre a primeira nos estados além-Nordestes.


Falar de Papangu hoje é também se ancorar no crescente nome do sexteto da Paraíba que vem difundindo o prog metal de um jeito inovador, inusitado e enebriante. Contando hoje com Marco Mayer nos baixos, Hector Ruslan nas guitarras e voz, Raí Accioly também nas guitarras, Pedro Francisco nas guitarras, teclado, flauta, percussão (e uma infinidade de outros instrumentos e animais de borracha), Rodolfo Salgueiro nos teclados e voz, e Vitor “Vespa” Alves na bateria, o Papangu já chamou atenção desde seu álbum de estreia Holoceno, ao misturar elementos poucos usuais que vão do prog ao black metal com uma pitada de temperos brasileiros, do forró ao maracatu.


Mas foi em Lampião Rei que a banda viu também um momento “divisor de águas” neste álbum conceitual em homenagem ao Rei do Cangaço e com uma mensagem clara sobre a repressão, resultando em extensas turnês ao redor do Brasil, com inclusive participação no festival Knotfest de 2024, sendo a única banda representante do sub-gênero tanto entre vozes nacionais quanto internacionais.


A “febre papanguística” parece ter caído bem em todos, e não por acaso: com muita criatividade, improvisação e total liberdade artística para simplesmente fluir em cada nota e composição, a banda entrega ao vivo uma experiência única e catártica, daquelas que marcam por conseguir, de forma tão natural, unir tantos elementos distintos em uma experiência sonora rica e “viva”.

Integrante da banda Papangu toca teclado no palco enquanto o vocalista canta ao microfone.

A banda, que segue com uma extensa lista de afazeres em 2025, não só anunciou o início dos trabalhos para seu terceiro álbum de estúdio, como também havia anunciado sua estreia nos palcos internacionais para o verão europeu, com direito a shows solos e em festivais como o ArcTanGent, na Inglaterra, e o Complexity Fest, na Holanda. Em preparação para este momento tão significativo, a banda preparou ainda uma pequena leva de shows passando pelos estados de SP e RJ, como um “esquenta” para este momento, com direito não só a faixas dos já consagrados Holoceno e Lampião Rei, mas uma curiosa performance de algumas faixas inéditas que a banda vem compondo.


Falando especificamente da apresentação que ocorreu no último dia 06/06 na Burning House, em São Paulo, onde tivemos o prazer de prestigiar o evento, o clima não poderia ser outro: casa cheia, pessoas animadas com suas camisas, CDs, vinis, bonés e patches comprados do stand de merch e, é claro, a simpatia dos músicos desde cedo interagindo e conversando com o público ansioso para conferir a apresentação.


Foi por volta das 20h30 que subiam ao palco Rodolfo, Hector, Pedro e Vespa, na missão de produzir uma viagem cósmica com notas da caatinga, sem a presença de seus companheiros Marco e Raí, que não puderam participar desta pernada para cá. Logo de cara, um susto e um correr de olhos entre os fãs mais ávidos e já familiarizados com a obra: já na abertura tivemos um gosto do que esperar do trabalho do terceiro álbum da banda, com uma faixa (de nome não revelado) inédita que, sim, parecia Papangu em sua essência, mas também dando notas de suas novas veredas e caminhos a serem percorridos neste próximo trabalho.

Pedro Francisco from Papangu is playing a flute and singing into a microphone on a stage.

Uma grata surpresa, quase como um pequeno flerte aos ouvidos, familiarizados ou não, como quem dizia que aquela seria uma noite, longe de curta, em que se poderia esperar pelo inesperado. Então seria por de bom grado relaxar e se acostumar com a ideia de se permitir ser conduzido à experiência “papanguzística” preparada para o público.


Seguindo com Rito de Coroação e Terra Arrasada, as coisas começavam a esquentar ao ir para locais já mais conhecidos, onde o público ia num misto de bate-cabeça, com um “se deixar levar” ao cerrar os olhos, movimentos de pêndulo ou simplesmente de pura surpresa pelo mix entre instrumentos e vozes que fazem de Papangu, Papangu. Parece simplista dar um resumo como este, mas tão simplista quanto igualmente seria tentar descrever em sua totalidade uma experiência que perpassa o campo sonoro, enquanto uma produção rica culturalmente que torna o uso de palavras algo fugaz, um simples recorte de um tipo de apresentação que, ao se por 10 pessoas à frente, cada uma poderia muito bem ter uma percepção e impactos diferentes sobre como se permitiram ser afetadas pela banda.


Navegando na sequência pelo single Maracutaia, com direito a uma intro à la Zappa, não só as influências se destacam, como também a própria forma de fazer música do grupo que, tão descontraidamente, ora parecem estar seguindo um “script”, ora parecem estar experimentando e simplesmente improvisando de uma forma extremamente coordenada e de difícil conclusão se aquilo fora algo decidido na hora mesmo, a até momentos mais improvisados, experimentais e orgânicos que tornavam o palco, e consequentemente a audiência, um laboratório onde cada nota e cada “eureka” se materializavam nos olhos e sorrisos dos músicos.


Mas engana-se quem pense que, nesta dinâmica, o público fique em um papel passivo a toda essa cacofonia sonora, como presenciado em São Francisco, onde o coro do público no ritmo da flauta doce e dos chocalhos seguia a melodia leve de Rodolfo até os derradeiros gritos blasfêmicos de Hector, somados às batidas frenéticas de Vespa na bateria, que em muitos momentos ao longo da apresentação pareciam ter a potência de trazer o palco abaixo. Com mais uma faixa inédita, para a alegria dos presentes, seguida de um medley de grandes clássicos como Roadhouse Blues, Pagode Russo e Para Tirar o Coco — este último levando a galera ao eufórico coro do refrão “Depois eu quero quebrar o coco / Pra saber se o coco é oco / Pra saber se o coco é oco” —, conhecidas ou não, fizeram todos caírem na risada em toda uma paleta de emoções que são trazidas ao longo do show.

Papangu

Seguindo com Água Branca e mais uma música de seu vindouro terceiro álbum, ficou visível também a evolução e diferenciação sonora entre as músicas, assim como igualmente a presença da essência que faz a banda ser quem é, onde nesse sentido, dando indícios de que, assim como a primeira obra, este terceiro pode ser tão pesado quanto e conter pequenas surpresas no caminho.


Na sequência tivemos a dupla Boitatá e Oferenda no Alguidar, duas das mais queridas músicas de Lampião Rei, que, refletidas no coro de vozes, transformaram aquele momento quase que em um culto ao folclore e ao Nordeste em solo paulista, sinal de orgulho para a banda que soava tão à vontade no que chamaram algumas vezes de sua “segunda casa”.



Antes de prosseguir com mais uma de suas inéditas, Rodolfo pontuou sobre a importância e a forma de retribuição por todo o apoio do público sendo justamente as músicas e a performance trazida, reforçando o pedido de não release dos vídeos em plataformas como YouTube por uma questão de sincronia e controle, mas, claro, que estava liberado para postar nos stories, para fazer “invejinha” ao amigo que, porventura, acabou não indo. Nesse movimento, eles pontuaram também a importância dos fãs para a composição das músicas e o quanto que, ao compor, os rostos do público, que passa a ser cada vez mais frequente, aparecem, e o ânimo toma conta ao se imaginarem tocando e se divertindo com quem já veem não só como apoiadores, mas amigos.

Papangu

Passando por mais algumas de seus trabalhos já publicados, tivemos um dos momentos mais aguardados da noite, quando a ambientação escura, própria da Burning House, foi completamente clareada, com as “luzes sendo acesas” em Acende a Luz I e II, o grande hino a Virgulino da Silva, que simplesmente desaguou em riffs, intensidade e muito bate-cabeça. Um dos momentos claros da noite (ba-dum-tss), mas que certamente foi seguido de algo pouco usual em shows: uma pequena pausa, assim como antigamente, quando íamos ao cinema pegar aquela sessão de filme maior.


Sim, assistir ao Papangu é também ter que estar pronto para uma experiência que está longe do que vemos hoje com shows mais enxutos e programáticos, mas se permitir a uma experiência mais extensa, improvisada e orgânica  que é também a epítome sobre o que a banda verdadeiramente é em sua música.


Após o break e “tirando uma onda”, ao puxar Paparazzi, da Lady Gaga, tivemos uma quadra que contou com Lobisomem, Ruínas e mais duas músicas inéditas que, claro, entre fritadas, suor, sorrisos e muitos acordes, potencialmente fechou um dos shows mais inesquecíveis da banda nas terras paulistas até o momento: pela intimidade, pelo carinho e pelas inéditas, desenroladas cuidadosamente como em um belo embrulho de presente de Natal, ao longo de quase duas horas e meia de pura festança. Tempo esse que ainda fora reduzido, segundo o próprio Rodolfo, aos risos, conforme este saudava, tirava fotos e abraçava tanto os companheiros quanto o público após o show.

Papangu

No fim do dia, uma palavra que bem representa a presença dos músicos em palco é versatilidade. Seja Hector entre seus riffs cortantes, guturais e ocasionais apertadas nos ratos de borracha ou chocalhos; Rodolfo alternando entre teclados, triângulo e sua voz melódica que equilibra o contraste de Hector; Pedro utilizando mais instrumentos do que os acessórios que devem ter dentro do cinto de utilidades do Batman, entre as diferentes distorções de baixo, em alguns momentos até quase como uma guita base e, em outros, na mais pura distorção quebrada pela flauta doce e as galinhas de borracha; ou Vespa, simplesmente cadenciando tudo com uma brutalidade e técnica que é como ver um strongman fazendo ginástica rítmica, uma combinação pouco usual e muito interessante.



Uma banda que, mesmo com dois a menos, conseguiu preencher, dar vida e cumprir bem a missão, no que, voltando atrás em minhas palavras, talvez não tenha sido um dos mais inesquecíveis, mas o mais inesquecível daquele dia. Afinal, um show do Papangu, seja com músicas inéditas ou não, me parece ser uma daquelas experiências que, a cada encontro, você poderá perceber um novo elemento, assim como também verá um novo elemento através das improvisações que tornam tudo isso algo simplesmente fresco dentro da musicalidade contemporânea.

Papangu

Setlist Papangu



  1. Música desconhecida
  2. Rito de Coroação
  3. Terra Arrasada
  4. Maracutaia
  5. São Francisco
  6. Música desconhecida
  7. Roadhouse Blues / Pagode russo / Para Tirar Coco
  8. Água Branca
  9. Música desconhecida
  10. Boitatá (Incidente na pia batismal da Capela de Bom Jesus dos Aflitos)
  11. Oferenda no Alguidar
  12. Música desconhecida
  13. Sol Raiar (Caminhando na Manhã Bonita)
  14. Bacia das Almas
  15. Acende a Luz: I. Alquimia
  16. Acende a Luz: II. O Encandeio/III. Sagüatimbó
  17. Lobisomem
  18. Ruínas
  19. Música desconhecida
  20. Música desconhecida
Papangu