Cobertura: Gutalax (SP)
Um show que nem apagão conseguiu impedir…
Créditos das fotos: Lucas Camargo - @ghost3d.raw
Uma colaboração com: Porque!Metal - @porquemetal
O dia era 12 de março e a missão clara: presenciar a estreia da banda de grindcore tcheca, Gutalax, no solo paulista em sua data extra, marcada para uma quarta-feira no La Iglesia. Até aqui, tudo certo e os ânimos estavam nas alturas, com mais um show que ficou próximo do sold out como o que acontecera no dia seguinte, no Hangar 110.
Com a abertura ficando por conta da Trachoma, nossa representante paulista do mais pútrido pathogoregrind, ou seja, uma mistura de doença, podridão e vermes direto do inferno sob batidas pesadas e uma voz do cão. Com isso em mente, a ideia de uma quarta à noite aconchegante, intimista e suja parecia brilhar aos olhos daqueles que se preparavam para ter um aperitivo fecal da experiência Gutalax, onde nada poderia dar errado, certo? Errado.
Isso porque a tarde daquela quarta-feira ficou marcada com a passagem de uma grande tempestade pelas regiões de SP, causando o verdadeiro pandemônio com direito a enchentes, árvores caídas e muitos postes e fios de energia danificados. Ainda que passageira, o estrago foi considerável, tal qual uma descarga que puxa toda a água podre para o cano, sugando também a esperança de muitos sobre a realização do show. E digo isso, pois, mesmo com a caída da noite e já nos encaminhando para próximo do horário de abertura do show, o clima no estacionamento em frente ao La Iglesia, assim como por todo o bloco de quarteirões da região, era de completo breu, salvo as luzes de celulares que serviam como pequenos focos de iluminação.
O clima era de tensão, pois o público presente não sabia ao certo o que aconteceria, mas, até então, era visível a movimentação por parte da equipe da Caveira Velha para fazer a noite acontecer. Isso foi algo visível até com a chegada da van do Gutalax e a curiosa tranquilidade do quarteto que ficou por lá mesmo, bebendo cerveja, trocando ideia com a galera e tirando algumas fotos. A ideia era clara: o show iria acontecer, nem que tivesse que rolar uma versão acústica no meio do estacionamento, segundo a própria banda, uma visão que, a título de história, teria sido algo verdadeiramente único, mas que não precisou ocorrer.
Mais ovacionados do que a própria banda, o veículo transportando os geradores chegou, onde, após mais alguns minutos de espera, a sensação de “então que se faça luz” rolou, iluminando todo o espaço e mostrando que a noite ainda só estava começando. Nesse quesito, o pessoal da Caveira Velha realmente estava de parabéns, não deixando a peteca cair e dando os pulos e corres para fazer a noite acontecer.
E, com as portas abrindo às 22h, horário que possivelmente estaria encerrando o show do Gutalax originalmente, a grande fila rapidamente se diminuía conforme as pessoas iam enchendo o La Iglesia ao já som do Trachoma que rolava, vomitando blasfêmias quase que em saudação para o público que persistiu para ver a noite. O duo formado por Thales Gory (guitarra e vocal) e Rafaela Begore (bateria e vocal) é um show à parte de se assistir.
Com as características músicas curtas, contundentes, cruas e diretas, que no gênero algo como dois minutos já vira um som de progressivo, no decorrer dos pouco mais de trinta minutos de performance tivemos nada mais do que 24 músicas rolando no set, com títulos como We Came from the Filth, Supplies For Your Own Ostomy Bag, Brain Eating Amoeba e Spasmosdic Movements Of A Corpse In Putrefaction Process. Títulos que, se você não é familiarizado com o inglês, o Google Tradutor deverá te dar uma ideia dos assuntos de saúde pública tratados pela banda.
A performance é algo verdadeiramente diferente, tanto pela formação de duas pessoas, quanto pelo complemento entre os gritos de Thales e a voz modulada de Rafaela, que torna sua voz na do próprio capeta, trazendo um incômodo proposital que realmente te transporta a uma sessão de diálogo com os mais profundos requintes de crueldade com o cramunhão. A banda, que teve o desafio de lidar com um público tenso e já cansado, desempenhou um ótimo papel, dando um belo gosto de sua sonoridade e servindo como a dor de barriga necessária (e positiva) para o festival de merda que aconteceria a seguir.
E foi nesse espírito que, ao som da música tema dos Caça-Fantasmas, do lendário Ray Parker Jr., o quarteto de roupas químicas (Os Caça-Merdas?) entrou, espantando qualquer resquício de incômodo e cansaço. Na sequência, entrava Assmeralda, música que já dava um gosto na boca (e nem preciso dizer qual, não é mesmo?) sobre a energia do show do Gutalax: todo o cômico dos guinchos de porco (e incrivelmente impressionantes pela façanha também), misturados com uma energia elevada, riffs que criam tensão e breakdowns que despontam em um verdadeiro bate-cabeça.
Inicialmente, o público estava mais contido, entretido em presenciar o primeiro minuto e tantos de show, mas com Nosím místo ponožky kousek svojí předkožky, ou simplesmente “Eu uso um pedaço do meu prepúcio em vez de uma meia”, as coisas começaram a esquentar, assim como esses pés. Pois é, se os títulos em inglês dão uma leve ideia do humor ácido por detrás das músicas do Gutalax, é a tradução das músicas em tcheco para o português que te dá essa certeza.
Seja como for, à medida que o público ia se sentindo mais à vontade, víamos as camisinhas sendo infladas como balões indo de um lado para o outro, assim como os rolos de papel higiênico que passavam a ser arremessados, semelhantes àquelas serpentinas em comemorações de Carnaval. Shit of it All e o já grande hit Buttman vieram na sequência para aquecer ainda mais o tímido mosh que passava a tomar proporções praticamente de todo o espaço do La Iglesia, onde o sorriso no rosto de todo mundo imperava, tal qual o do cavalinho inflável que certamente fora um dos protagonistas da noite.
Até mesmo João Gordo, que, apesar do bom coração, sempre mantém uma feição um pouco mais fechada, não conseguia segurar o sorriso ao lado do palco juntamente com sua família, onde, ainda que sendo apenas no dia seguinte o show de comemoração de seu aniversário, este também estava por lá para prestigiar os tchecos.
Comemoração essa que veio ainda na forma de Maty Matoušek (vocal) comentar sobre a estreia da banda em SP vir também em um momento de comemoração dos 15 anos de existência, e sentirem aquele momento entre público e plateia como a melhor e mais intimista festa impossível, o que, ao som de Celebration, do Kool and the Gang, serviu como o respiro de mosh para aquela dança e cantoria unificada do melhor disco vibes possível, antes da entrada de Šoustání prdele za slunné neděle, ou ainda, “Balançando a bunda em um domingo ensolarado”.
A cena no La Iglesia era a do maior caos possível, como se um caminhão de lixo tivesse explodido, mas da forma mais intencional possível. Algo que claramente refletia na alegria de Maty e também de Kojas (guitarra), Kebab (baixo) e Mr. Free (bateria), que, apesar do calor e até da necessidade de remover parte da indumentária para respirar, pareciam estar verdadeiramente se divertindo junto à plateia.
Mas, ainda que havendo todo esse espírito de diversão misturado com riffs pesados e breakdowns, a banda sentiu a necessidade de se provar ao público e, nas palavras de Maty, provarem que também conseguiam ser sérios e técnicos quando quisessem, anunciando a próxima música (enquanto Kojas e Kebab já iam tirando alguns riffs pesados), enquanto um cover de Meshuggah, que, para aqueles que não conhecem, é uma das bandas de death metal técnico mais conceituadas do mundo. No caso, Maty se referia a Kocourek Mourek podráždil si šourek, ou “Mourek, o gato, irritou seu escroto”, música de 33 segundos que finalizava em praticamente uma nota, mostrando que sim, a quinta série vive e reina no show do Gutalax.
Mas foi daqui em diante que as coisas tomaram outras proporções, com uma sequência insana e geradora das espirais de mosh constantes, com Diarrhero, talvez uma das principais músicas do catálogo, seguida de uma música dedicada aos meninos na casa, mas sem deixar de enaltecer o público feminino, ao anunciar Vaginapocalypse.
Se aqui você não desviava apenas de cotovelos e braços, assim como rolos de papel, Fart and Furious chegou ainda como a verdadeira provação à plateia e ao La Iglesia, ao pedido de Maty para que uma Wall of Shit fosse formada (é tipo a Wall of Death, mas de merda), culminando no maior choque de corpos da noite, que, seguida por Total Rectus, manteve a intensidade, sendo essa ainda como um momento de agradecimento por Maty a todas as pessoas por detrás da tour que estavam ali, fazendo a parada acontecer fosse o que fosse.
E é claro que, como as coisas não podem parar, Vykouření dařbujána vietnamského veterána, ou “Fumando droga de um veterano do Vietnã”, provou que tanto banda quanto público tinham tanto ainda a entregar, que Mr. Free (Petr Svoboda) acabou por estourar a pele da bateria, tamanha sua brutalidade. Mas, falando em brutalidade, foi em Shitbusters que tivemos ainda a presença de Thiago Monstrinho, da banda de hardcore Worst, no palco. Amigo de longa data da banda, o mesmo ainda ensinou os presentes um xingamento básico em tcheco, posteriormente replicado por todo o público, antes de comandar com sua poderosa atitude a música ao lado de Maty, com direito a uma passada de mão no imaginário grande kebab de Kebab (sim, isso que você está pensando).
Finalizando sua participação ainda do melhor jeito possível, com um stagediving em meio ao público que mal pôde conter seu tamanho, Strejda Donald, talvez uma das músicas mais aguardadas da noite e aquela que você conhece como a do "Seu McDonald que tinha um sítio, IA-IA-O" mas em uma versão fecal, fazia com que todos os presentes cantassem a plenos pulmões (curiosamente, talvez, a única música sing-along da banda), permitindo que todos ali saíssem com suas almas lavadas (de merda), no que se finalizou como uma grande festa do Gutalax, um grupo que ainda, ao som de I’m So Excited, pelas Pointer Sisters, já provaram por A mais B (e em uma única apresentação) que o Gutalax já pode marcar a residência para o Brasil e se tornar uma daquelas bandas que carimba seu visto uma vez por ano. E a agência sanitária e de saúde pública que se vire.
SETLIST - TRACHOMA
We Came From the Filth
Microstomia Treatment
Adipocere Corpse Wax
The Body Turns From Green to Red as the Blood Decomposes
Supplies For Your Own Ostomy Bag
Brain Eating Amoeba
Hospital Purge
The Taste of Human Flesh
Neurocysticercosis
Medical Waste
Human Slaughter
Spasmodic Movements
Surgically Diverted
Diopathic Osteonecrosis
Cystic Fibrosis
Myiasis Cavitary
T.D.I - Dissociative Identity Disorder
Cadaverine Putrescine
Delirium Tremens
Histopathological Techniques
Gruesome Cannibalistic
Post-Operative Delirium
Liquefactive Necrosis (Wet Gangrene)
MDK/DFC
SETLIST - GUTALAX
Tema de Os Caça Fantasmas (música de Ray Parker Jr. pelo PA)
Assmeralda
Nosím místo ponožky kousek svojí předkožky
Shit of It All
Buttman
Celebration (música de Kool & the Gang pelo PA)
Šoustání prdele za slunné neděle
Robocock
Kocourek Mourek podráždil si šourek
Diarrhero
Vaginapocalypse
Polykání semena z postaršího jelena
Fart and Furious
Total Rectal
Vykouření dařbujána vietnamského veterána
Shitbusters (com Thiago Monstrinho)
Strejda Donald
I'm So Excited (música deThe Pointer Sisters pelo PA)